terça-feira, 26 de março de 2019

Coisa mais linda - Netflix

ALERTA SPOILER

                        Esse mês a Netflix lançou uma série com toque feminista, que quando eu fiquei sabendo, corri para assistir. A série é definitivamente a coisa mais linda, a fotografia é incrível e a historia mais ainda. A série se passa em 1959, o século passado não foi nada confortável para as mulheres, foi aos poucos que as mulheres foram conseguindo certos direitos, simples. Direitos que hoje em dia escutamos que as mulheres eram proibidas de ter e achamos um absurdo. Assistindo a essa série, eu percebi como as coisas mudaram, bem lentamente. Eu já tinha noção que o feminismo conquistou muita coisa ao longo dos anos, mas não tinha noção do tamanho dessa conquista. A série aborda temas que foram completamente esquecidos conforme os anos foram passando e as mulheres foram tendo certas liberdades.
                    A série conta a história de Malu, uma paulista que pretendia abrir um restaurante com seu marido Pedro, que fugiu com todo seu dinheiro. Assim que a serie começa já começamos a perceber indícios de machismo, ele fugiu com o dinheiro dela e a abandonou por outra mulher, mesmo assim a culpa era de Malu. Não foi uma boa esposa. Maria Luíza, nunca trabalhou na vida, sempre viveu as sombras de seu pai fazendeiro ou seu marido, agora abandonada pelo marido e mãe solteira, de repente Malu tem a brilhante ideia de abrir um clube de musica. Malu não pode pegar um empréstimo porque precisa da assinatura de um homem. Mulheres não podiam abrir conta em conta, não podiam ter um cartão, nem ter o próprio negocio em seu nome. As mulheres não podiam nem trabalhar fora de casa, que já eram consideradas mulheres da vida, independente do trabalho que fosse fazer. Mesmo com os altos e baixos, mesmo com os julgamentos, Malu insiste em seu clube e vai atrás de seu sonho, junto a Adélia. Seu pai insistindo para que se casasse novamente, pois uma mulher em suas condições acabaria com o nome da família (algo que era muito valorizado naqueles tempos, o tal “nome”), ameaçou tirar a guarda de seu filho por não concordar com a vida que a filha escolheu levar. Mas Malu não estava sozinha, ela tinha Adélia como sócia. Adélia, negra, favelada, pobre, mãe solteira e empregada domestica. Sua filha Conceição não é filha do Capitão, como mostrado desde o inicio, é filho de Nelson, seu antigo patrão pelo qual ela se apaixonou. Mas ele ficou com vergonha de assumi-la diante da família e da sociedade. Típico daquela época (vamos frisar que ainda acontece). Homens ricos e brancos com vergonha de ter uma mulher negra e pobre do seu lado, não existia amor que os fazia enfrentar o preconceito. Adélia teve que criar sua filha sozinha, trabalhando duro, sendo humilhada apenas para conseguir colocar um prato de comida na mesa. O tal patrão? Nelson, marido de Thereza, feminista, morou em Paris e trabalha fora como jornalista em uma revista sobre mulheres que é escrita por homens. As revistas da época ensinava como as mulheres deviam agir para agradar os homens, para serem boas esposas. Como se comportar, se vestir, cuidar da casa, etc. Thereza tentava fazer a diferença ali, engajada, moderna, influencia seu chefe até a contratar outra mulher, Helô. Thereza também tem seu drama, perdeu um filho após o nascimento e não podia mais ter filhos. Naquela época era um absurdo uma mulher que não podia dar um filho a seu marido. Mas não só isso, Thereza queria ser mãe e sofria muito com isso. Aparentemente ela é bissexual, se interessa por Helô. Difícil saber já que seu casamento com Nelson é bem aberto a novas experiências, bem diferente do casamento de Augusto e Lígia, que é um casamento cheio de limitações para Lígia e violências. Augusto bate e até estupra sua esposa, a proíbe de cantar, seguir seu sonho. E como de praxe, a mulher tinha que escolher entre o casamento ou o próprio sonho. Também vemos Lígia se culpando, dizendo que apanhou porque mereceu. Sabendo que seu marido não gosta que ela cante, mesmo assim ela cantou. Apanhou novamente por cantar e teve a coragem de subir no palco e continuar o show mesmo sem a aprovação de seu marido. Ao ter que escolher entre ter um filho com aquele homem covarde e podre ou sua carreira e seu sonho, Lígia escolhe sua carreira e faz um aborto. Vocês tem noção de como era visto o aborto naquela época? Se hoje em dia o aborto ainda é demonizado, imagina em 1959. Vejo a situação de uma mulher completamente sem saída, gravida de um marido abusador, se privando de viver a própria vida. Se tivesse aquele filho, teria que escolher entre ele e sua própria vida e isso não é justo. 
                        Enfim no final acontece o que eu já esperava, sangue feminino derramado porque elas fizeram as suas escolhas. Porque fizeram de suas vidas, o que queriam. Porque estavam onde queriam estar, sem precisar da permissão de nenhum homem. Ao ver Lígia e Malu baleadas, me lembrei de todas as mulheres mortas por serem mulheres, me lembro de que isso ainda acontece, mas essa serie me deu esperança. Ver como as coisas eram piores e foram melhorando aos poucos me fez acreditar que elas podem continuar mudando. Que talvez daqui 60 anos não exista mais mulheres morrendo simplesmente por serem mulheres, que possamos andar na rua sem medo de sermos estupradas, espancadas. Fez-me ter esperança que daqui uns anos sejamos tratadas como humanas e finalmente RESPEITADAS.

Essa série também vai ajudar as pessoas a entenderem como o feminismo é necessário. Vai mostrar como a vida delas seria sem ele, que não poderiam trabalhar, estudar, ter o seu próprio dinheiro, se vestirem como quiserem, pagar as próprias contas, dirigir, escolher se quer só namorar, casar ou nenhum deles.  Escolher com quem se relacionar, independente da orientação sexual e futuramente talvez muito mais que isso.