domingo, 12 de agosto de 2018

O dia em que cedi ao machismo

                           Parece até estranho, mas eu já cedi ao machismo e deixei de fazer algo que eu amava muito por ser alvo e não aguentar mais. Não foram uma ou duas vezes, foram bem mais e vou dividir algumas aqui com vocês. Se alguma leitora ou até mesmo leitor já deixou de fazer algo pelo machismo da sociedade, me conte que postarei aqui futuramente.
                    A primeira vez que cedi ao machismo foi obviamente a primeira vez que um ex namorado disse que se eu usasse roupas curtas, terminaria comigo. Já contei aqui no blog a respeito do meu relacionamento abusivo, foi nesse mesmo. Claro que não deixei de usar todas as vezes que ele ameaçou, foi só no inicio do relacionamento. Quem me conhece sabe como eu sempre amei um short. Tiveram outras vezes como, por exemplo, deixar de usar maquiagem por conta de pessoas que achavam a minha maquiagem vulgar demais pra uma menina tão jovem. Eu amava fazer um olho bem preto e usar batom vermelho bem sangue. Já deixei de usar algumas vezes por conta das pessoas. Morria de vergonha de mostrar a minha barriga, não usava roupas que mostrassem nem um pouco da barriga, por que era “feio pra meninas da minha idade" e isso quando eu tinha uns 13 anos. Não preciso nem mencionar que já deixei de sair pra certos lugares ou de aproveitar algumas festas por que enfiavam na minha cabeça que mulheres que faziam certas coisas, eram vadias. Já contei aqui um abuso que sofri quando era criança e nesse abuso me calei com medo do machismo. Com medo de a culpa se voltar para mim, com medo de ninguém acreditar e eu acabar sofrendo mais ainda. Agora a parte mais difícil da minha vida em que precisei encará-lo de frente e perdi. Em 2011 comecei a acompanhar futebol e a assistir aos jogos do meu time, que não é segredo pra ninguém, Atlético Mineiro. Naquela época era difícil e ainda é pra uma mulher acompanhar futebol em paz. Eu ouvia muitos comentários desnecessários do tipo - "Futebol é coisa de homem, mulher tem que gostar é de roupa e maquiagem." - "Vai lavar a louça e para de tentar assistir futebol" - "Já que você gosta de futebol me fala ai a escalação do time" - "Me fala os títulos que o Atlético já ganhou" - E por ai seguem vários outros tipos de comentários maldosos. Não foi ai que eu cedi ao machismo, continuei acompanhando meu time e fazendo o que eu mais amava, falar sobre futebol. Em todos os lugares a minha turma era a turma do futebol, na escola, na academia, no almoço de família. Depois de alguns anos meu amor pelo futebol foi só aumentando, eu amava tanto falar sobre aquele assunto e em 2014 decidi começar a fazer vídeos comentando os jogos do Atlético-MG e a rodada. Criei um perfil no Facebook só para isso e comecei a adicionar várias pessoas. Estava maravilhosamente bem até que comecei a analisar mais os comentários das pessoas a respeito. Ou eu ouvia deboches sobre os vídeos, pessoas zombando, ou eram comentários focados somente na minha feminilidade. O foco dos vídeos era o fato de eu ser uma mulher e não uma entendedora de futebol. Falavam sobre minha boca, meus olhos, minha aparência e o que eu falava sobre futebol era completamente ignorado. Quando cai em mim e percebi isso, parei de fazer os vídeos e desisti de tudo. Hoje eu me arrependo de ter parado com algo que eu gostava tanto de fazer por conta do machismo em excesso. Mas de fato, não conseguir fazer algo que eu gosto só pelo fato de ter nascido mulher, machuca de verdade.
                      É algo muito comum pra nós mulheres, infelizmente, deixar de fazer algumas coisas que queremos por conta do machismo. As vezes por medo do que pode acontecer ou simplesmente falta de força pra enfrentá-lo. É por isso que hoje eu luto contra essa monstruosidade. Por isso que apoio o movimento Deixa ela trabalhar. Movimento criado na época da Copa do Mundo na Rússia, porque os homens assediavam as jornalistas enquanto elas faziam apenas o seu trabalho. Não só deixe ela trabalhar, deixe ela fazer o que ela quiser em paz. Deixe-nos em paz!




quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Tatiana Spitzer / Feminicídio

                   Já escrevi sobre relacionamento abusivo duas vezes, uma eu apenas escrevo sobre o assunto e em outra conto o relacionamento abusivo que eu vivi (clique para ler) e o caso de Tatiana só me fez pensar em quantas mulheres passa constantemente por tudo aquilo e não falamos sobre. Sim, as coisas mudaram muito, as mulheres podem votar, podem estudar, trabalhar, escolher com quem vai casar, usar a roupa que quiser, dirigir, ser independente, usar batom vermelho, sair com quantos caras quiser (na maioria das vezes, mesmo que seja taxada de diversas coisas ou quando tem algum opressor pra impedir, mesmo nos dias atuais). Mas se você for analisar de perto, as coisas não mudaram tanto assim quanto parecem. Ainda não temos a segurança de sair na rua sozinhas, ainda não temos na maioria das vezes, formas de nos defender. Ainda temos o físico a maior parte das vezes mais fraco, ainda somos quase sempre fáceis de ser controladas como uma marionete. Eu assisti ao vídeo de Tatiana, em que seu marido a agride na rua, no estacionamento e no elevador, até a hora em que tirou dela o que ela mais tinha de precioso, sua vida. Ela o escolheu, ela confiou nele, a família dela confiou a segurança dela nele, e ele usou isso da forma mais dissimulada possível. Pois é isso que ele é, doente e dissimulado. Não tem justificativa nesse universo que explique o que ele fez com Tatiana naquelas filmagens, e não foi daquele jeito somente naquela noite. De acordo com as investigações e testemunhas, o casamento dos dois era basicamente um inferno. Ele era grosso e desequilibrado. Ela falou disso em conversas com conhecidos e amigos que por sua vez, disseram pra ela que ele era um bom homem, que ele mudaria e que não valia a pena acabar um casamento por conta disso, que era uma fase e que ia passar. Passou, com um corpo sem vida. Ia acabar dessa forma e a pessoa que sofreu as consequências foi Tatiana. Ela pediu por socorro, vizinhos ouviram e ninguém fez nada. Seus parentes e amigos sabiam em que tipo de casamento ela vivia e também não fizeram nada a respeito. Talvez tenham tentado, mas precisavam tentar mais. Não estou tirando a culpa do assassino e colocando em pessoas que deviam tê-la ajudado, estou apenas tentando alertar as pessoas. Tentando mostrar que podemos fazer alguma coisa e que precisamos fazer. Talvez alguma mulher próxima a você ou a mim sofra em um relacionamento abusivo e nem sonhamos. Prestar atenção nas pessoas de outras formas, começar a analisar coisas talvez mais prestativas; Em vez de observar outra mulher com olhos de raiva e ficar tentando encontrar um defeito, observe com outros olhos e tente encontrar se tem algo de errado. Algo que não deveria estar ali e não deveria acontecer daquela forma. Eu sei que às vezes é difícil e que muitos vivem de aparência. Que fingem ser um casal perfeito e enganam, mas precisamos ao menos tentar fazer alguma coisa pra que esses absurdos comecem a acabar. 
                  Não é só a Tatiana, ontem (07) foi o dia em que a Lei Maria da Penha completou 12 anos. Se você ligou a TV em um jornal ou entrou em pelo menos um site de noticias, eu tenho certeza que você viu outras noticias, de outras mulheres que passaram pela mesma coisa que a Tatiana. Ela pediu ajuda, várias e várias vezes. Foi 20 minutos tentando fugir dos braços de seu próprio marido, também seu agressor que, no fim, colocou um fim no seu sofrimento tirando sua vida. Eu sei que é um assunto difícil de encarar e que machuca, o machismo machuca. Falar sobre isso é difícil, mas é algo necessário. Para que acabe de uma vez por todas. Antes da Lei Maria da Penha o homem que agredisse uma mulher era considerado covarde, depois da lei ele é um criminoso. Não há duvidas de que precisamos intervir, a frase “Em briga de marido e mulher não se mete a colher” tem que ficar no passado, se houver agressão tem que se meter sim, tem que chamar a policia, tem que defender a vitima. 
           Sei que o nosso país ainda é muito precário em relação a defesa de mulheres que são agredidas. Eu sei que ainda tem muita coisa a ser reparada e que homens agressores não pagam da devida forma nesse país. Mas precisamos mudar as coisas começando por nós mesmos e isso não serve somente por esse assunto. A cada mulher que sofre com isso, é um pedaço de mim que vai embora. É uma luta que vai ser minha eternamente, pelo simples fato de eu ser mulher. Se você está em um relacionamento onde ele te prende, te controla ou pelo menos tenta, caia fora. Isso não é um relacionamento, é uma prisão. Não é justificável e não vai mudar. A promessa de mudança é vazia! A única promessa que você precisa acreditar é que EU TE PROMETO QUE VOCÊ VAI CONSEGUIR SEM ELE.